Sempre ouvi dizer que um homem
para se considerar realizado, precisa ter feito três coisas na vida: plantar
uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Tive três filhos maravilhosos,
plantei algumas árvores, e agora, aos 52 anos (maio de 2011) começo a me
preparar para escrever um livro... não no sentido literal... longe de mim, não
tenho vocação, sou muito ruim na língua vernácula, embora não tenha me saído mal
no decorrer dos anos.... mas vou escrever meu livro ou seja, vou construir o meu sonho.
Antes de descrevê-lo gostaria de postar algumas considerações.
Primeiro grande erro da minha
vida – nunca planejei nada!
Um breve histórico...
Estou num momento muito difícil
da minha vida, problemas de saúde (sou depressivo), problemas de ordem pessoal
(tentando juntar os cacos de muitas perdas e feridas)... em um passado não
muito distante tentei até dar um fim a tudo... mas hoje, ainda assim, acho que é o
momento de construir esse sonho. Não sei se terei tempo de concluí-lo, por isso
doravante registrarei minuciosamente, em solitário, todos os passos dessa construção...
talvez isso ajude alguém, que como eu, precisa desesperadamente construir um
sonho.
Nasci em Salvador-BA (BR), filho
de emigrantes, classe média que durante as férias escolares a família alugava
uma casa de veraneio em Amoreiras, pequeno povoado localizado na Ilha de
Itaparica (BA), onde passávamos todo o verão... isso era religioso. Acho que
meu pai trabalhava o ano todo só pra isso – veranear com a família na Ilha de Itaparica.
Portanto fui criado junto ao mar.
Os anos se passaram, me formei em
engenharia, me casei, fui morar no interior de Alagoas (Arapiraca-AL) tive
filhos... tudo corria normal, com as alegrias e tristezas comuns do
dia-a-dia... os meninos cresceram, foram estudar em Maceió (capital do estado)
e começou a bater uma estranha sensação de vazio (um oco). Nesse período me
veio a primeira luz da construção do meu sonho – ir morar em Maceió, junto com
os filhotes, em frente ao mar (fui criado junto ao mar), comprar um barco e
passar os finais de tarde lendo jornal e/ou tomando uma geladinha na orla da
Pajuçara. De certa forma tudo isso se concretizou... só não foi completo por um
pequeno detalhe – o barco.
Comprei uma lancha em sociedade
com um cunhado. Decepção total, não pela sociedade mas pelo fato de ter sido uma lancha. Vendi e
comprei outra... foi outra decepção. E assim fui acumulando uma série de
decepções, junto com cada lancha vendida ou trocada. Ao final de algum tempo
descobri quais eram as reais utilidades de uma lancha (me desculpem os
lancheiros de carteirinha), vamos lá: sustentar a família de um mecânico, alcoolizar
os amigos nos finais de semana (e que é pior é que eu sempre bancava as contas –
ou maioria delas) e criar problemas em casa, com a família.
De tudo isso ficou uma grande
experiência... meu sonho não era só meu, não havia como construí-lo sem a
participação daqueles que conviviam comigo – minha família. Como existia a
idéia fixa do barco, resolvi partir para outra empreitada – comprar um veleiro.
E o fiz de forma diferente... conversei com minha esposa Kaká (dizem que esposa
é tudo a mesma coisa, só muda o CPF e o endereço... a minha é uma santa) sobre
esse novo projeto – ter um veleiro. Aí vem a primeira lição a ser deixada:
Um veleiro não é uma coisa que você tem... é algo que a
família tem. Portanto, pensar em ter uma embarcação sem a participação da
família é a mesma coisa que entrar em uma barca furada – pode até demorar, mas
ela vai afundar...
No decorrer deste post você
entenderá bem o que estou tentando transmitir.
Embora seja tudo bicho que vive na água... existem
enormes diferenças entre se ter uma lancha e se ter um veleiro.
Se você é um lancheiro amador,
que pensa em curtir um final de semana com amigos/família, suas preocupações
básicas são:
a) Manter
o barco abastecido para usá-lo no final de semana;
b) Juntar
o máximo possível de pessoas pra ir com você... afinal de que vale navegar
sozinho... e tem outros (que acredito serem a maioria) que têm a real
necessidade de mostrar o seu troféu do sucesso (a lancha);
c) Sair
no sábado/domingo logo cedinho pra uma praia... pode ser até aquela praia que
fica em frente a sua casa, aquela que vc pode ir a pé, não importa, porque seu
horizonte é muito limitado... e retornar no final da tarde, antes de
escurecer, afinal sabe-se lá o que vem pela frente (o espaço de tempo é muito
importante – tem que ser rápido);
Se você é um lancheiro amador,
que tem como hobby a pesca, suas preocupações são:
a) Manter
o equipamento sempre pronto pra usá-lo (lancha, anzóis, varas, etc);
b) Conferir as condições do tempo;
c) Ter
o mínimo de pessoas a bordo (só o necessário, muita gente atrapalha)... e o seu
troféu será apresentado em terra.
Agora, se você é um velejador,
suas preocupações são:
a) Manter
o equipamento sempre muito seguro. Um amigo me disse uma vez que o mar não tem
cabelos pra você se pendurar nele nos momentos de sufoco.
b) Conferir
as condições de tempo... a maioria absoluta dos velejadores conferem as
condições de tempo antes de velejar. E essa conferência é sempre por um período
grande – dois dias antes e dois dias depois do dia da velejada. O horizonte de
quem veleja é extremamente grande;
c) O
seu troféu é o mar... é algo que você curte, muito raramente você mostra aos
outros. Não há a preocupação de sair e chegar logo, você sabe – antes mesmo de
sair – que poderá levar um longo tempo até chegar ao seu destino, seja ele qual
for;
d) O
meio ambiente é algo que deve ser preservado a qualquer custo, senão sua obra
de arte principal (o mar) estará sempre rabiscado/sujo.
Fiz esses comentários para que se
possa entender o rumo que as coisas tomaram nessa escolha do meu novo projeto –
o veleiro.
Meu primeiro Veleiro...
Quando pensei em ter o meu primeiro
veleiro, e acho que muitos pensam iguais, a idéia era construí-lo (não
comprá-lo pronto), o mais espaçoso possível (apartamento tipo duplex), que eu
pudesse viver nele e pudesse conhecer o mundo (conhece a teoria geocêntrica? Tudo
gira em torno da terra... assim era eu, tudo girava em torno de mim... sorte
que não fui o único a pensar dessa forma, se Aristóteles pensou, quem sou eu
pra pensar diferente). Menino pretensioso esse hein!
Tudo errado... conversa daqui,
conversa dali (quem planeja ter um veleiro tem que conversar muito com quem tem experiência), aprendi que construir um barco leva
muito tempo, muita abnegação, muita paciência, muitos finais de semana perdidos
– e era tudo que eu achava que não tinha.
Comecei a procurar um usado. O
tamanho do apto duplex foi diminuindo ($$$), diminuindo, diminuindo... encolheu
tanto que eu pensei que o meu veleiro poderia ser colocado na garagem da minha
casa.
Pra descrever o tamanho ideal do
barco (principalmente se for o primeiro – sem/pouca experiência de navegação) é
preciso ter o foco em alguns pontos muito importantes:
a) Quem
vai ser sua tripulação?
A primeira, segunda
terceira e quarta opções são – sua esposa, se você tiver uma, caso
contrário é você só. Achar que pode contar com mais alguém é perda de
tempo. Afinal quem estará disposto a sair com você sem se preocupar com o tempo
de chegada? Os filhos podem ser a próxima escolha, mas nem sempre você poderá
contar com eles... eles têm vida própria, amigos, namorada, esposa, futebol. Por
fim, os amigos... com raras exceções (e eu tenho essas exceções – que também
são velejadores), o amigo é aquele sujeito que chega na ora de embarcar e é o
primeiro a sumir no momento em que o barco atraca... antes e depois da velejada
você raramente os vê para ajudá-lo.
Definido qual a
tripulação, você verá que resta muito pouca gente pra lhe ajudar, portanto
pense no tamanho do barco de forma que você possa fazer tudo sozinho. Tomar
conta de um duplex sozinho é muito difícil, tomar conta de um veleiro grande em
alto mar, no meio de uma tempestade e sozinho é dez mil vezes pior.
b) O
custo de manutenção.
Quanto maior o
barco, maiores serão suas despesas (de forma exponencial). Achar que ter um
barco é sinônimo de não ter despesas, só porque não paga condomínio, IPTU, luz
e água é o maior dos enganos.
c) Qual
a finalidade que você pretende dar ao seu barco.
A idéia
inicial de quem vai possuir um veleiro (primeiro veleiro) é morar nele. Posso
garantir que, para a maioria dos mortais, uma das coisas mais difíceis é morar
num veleiro, embora conheça muitas pessoas que o façam, mas são histórias de
vidas muito peculiares. Porque? Você tem que abdicar de muitas coisas que
estamos acostumados... por maior que seja o barco o espaço é muito limitado. Luz
e água potável são artigos de extremo luxo num barco. Escola dos meninos,
trabalho da esposa, etc, etc... praticamente tudo conspira contra.
Se você já
passou dessa fase (morar nele) e está com os pés no chão então lhe restará duas
opções: esporte (correr competições de regata) e cruzeiro (longas viagens). Em ambos
os casos, o tamanho ideal será o tamanho das suas necessidades mínimas. O barco
de regata não precisará ser muito grande, e um de cruzeiro não poderá ser muito
pequeno porque a legislação brasileira estabelece limites para áreas de
navegação (costeira ou mar aberto).
Na compra do meu primeiro veleiro
não levei em conta nenhuma dessas considerações (aprendi com o tempo)... só
pensava na questão financeira ($), que obviamente é fundamental.
Pois bem, procurei, procurei...
quando achava um que estava pronto, a grana era curta.. quando a grana dava, as
condições não eram boas. É muito importante que se avalie diversas opções, porém o tempo não pode ser muito extenso. Acho
que o tempo ideal para pesquisa é de seis meses (só feeling)... você pode
encontrar aquilo que lhe encanta na primeira pesquisa, mas existe uma boa
chance de se arrepender depois. Se demorar muito pode acontecer que aquele
barco que faça parte da sua pesquisa já não esteja mais a venda (aí perde-se
uma boa oportunidade)... também pode acontecer que com o tempo apareçam novas
oportunidades na sua vida (a troca do carro novo porque a fábrica pra desovar
estoques antigos está vendendo tudo com 90 parcelas sem juros).
Então, meu conselho é:
Se você está decidido a comprar
um veleiro, dedique-se exclusivamente a isso (esqueça outras oportunidades)
pesquise muito, converse com muitos e compre... você nunca encontrará um barco
que seja tudo aquilo que você espera, sempre terá que fazer algo nele.
Minha avó já dizia “... não falta sapato velho pra pé torto...”, o ideal era eu
ter casado com uma garota que tivesse as formas da Gisele Bündchen, a
inteligência da Marissa Mayer (aquela do Google) e a grana da Oprah Winfrey
(mulher mais rica do mundo, segundo a revista Forbes), mas como eu sei que
papai Noel não existe... a Kaká vai dando conta do recado direitinho.
Depois de muito pesquisar
encontrei o Pareô, um Brasília 27S... cabia no orçamento, precisava fazer
algumas coisas, mas é como eu já mencionei – nosso senso crítico tem que ser
moderado.
Comprei o Pareô, reformei-o, e eu
minha tripulação (minha esposa – Kaká e um neto de 3 anos - Felipe) fomos muito
felizes por alguns anos. Velejamos algumas milhares de milhas pelo Brasil... do
sul da Bahia até Natal(RN), inclusive a Regata Recife/Fernando de Noronha.
Mas dizem que alegria de pobre
dura pouco... e vieram duas grandes fatalidades na minha vida, que me
conduziram ao projeto de construção deste sonho... Há coisa de 3 anos minha
esposa foi acometida de um câncer de mama (bastante agressivo) e pouco tempo
depois (menos de 20 dias depois que minha esposa foi operada) meu neto morreu
afogado na piscina do nosso apartamento. Não vou tecer detalhes dos acontecidos
porque não é esse o meu propósito... mas posso lhes garantir que o mundo
desabou para mim. Entrei num processo depressivo intenso, tentei o suicídio por
pelo menos duas vezes (que eu me lembre), me afastei das minhas ocupações profissionais,
descobri que era bi-polar com forte tendência para a depressão e vendi o Pareô
(ninguém mais queria saber de água lá em casa e minha esposa não podia mais tomar sol por recomendação médica). Não saio mais de casa, pra ir à padaria é
um sacrifício, amigos só por celular.
Tudo parecia ter realmente
acabado... afinal de que vale a vida sem que possamos vivê-la?
No último mês de julho (07/2011),
tomei uma decisão que poderia ser um novo marco decisório na minha vida – sabe,
a encruzilhada. Comprei um barquinho, um Micro-Racer 19, escondido da família e
levei-o para Salvador (onde tenho parentes). Preparei-o para a Regata
Aratu-Maragogipe e ganhei o primeiro lugar na minha classe (Mini-Oceano)... a
partir de então as coisas começaram a ganhar um novo rumo, nem tanto pela
regata, mas pelo fato de poder re-orientar os meus sonhos.
Agora, já mais maduro, com muito
mais experiência, com tempo, paciência, pouca grana, resolvi escrever
meu livro, vou construir o meu sonho, ou seja vou construir o meu barco.
Nos próximos posts descrevei minuciosamente
este projeto.
Aguardem!